31.12.12

Um faroeste sobre o terceiro mundo


"Há muito tempo atrás, numa terra distante..." 

Estava ajoelhado no chão e via com desespero o rumo que as coisas haviam tomado até este exato momento.

A algumas horas atrás tinha tomado um banho demorado, se esfregou como quem esperava que os movimentos áspero removessem a sujeira não só do corpo mas também a que estava impregnada na alma. Tinha vestido a melhor roupa e calçado a bota que guardara para ocasião mais especial de sua vida, ocasião que à aquela altura já não aconteceria mais. Fumou um cigarro, tomou um gole de cachaça e ouviu a ultima musica que ainda ecoava em sua cabeça até agora. Fez o sinal da cruz e mesmo sem fé no que esse sinal significa ele realmente estava preparado para o que viria depois daqueles últimos gestos. Sem pensar em mais nada pegou o ônibus que o levou até o centro da cidade.

O motivo de sua vinda até o centro da cidade era irreversível, isso porque sua vida desde muito cedo singrava para esse dia, nessa hora, e nesse local como se tudo estivesse predestinado, era uma cruz que ele carregava e da qual não poderia se livrar. Quando chegou viu a gente que o esperava formando uma plateia dos dois lados da única rua que cortava a cidade de fora a fora, mais a frente de capa branca e bota engraxadas seu inimigo. Sujeito da pior espécie, e que lhe armou uma emboscada, ouviu-se um disparo pelas costas. 
Agora, ali ajoelhado no chão, sentia o sangue subir a garganta e já tinha ideia que seu gosto não seria nada doce. Ainda surpreso com tudo o que acontecia olhou pro lado viu bandeirinhas, muita gente agitada, sorveteiros e câmeras de TV – Malditos, se divertem? Então se minha via-crucis virou circo, vou lhes fazer rir – Nesse momento passa pelos olhos toda sua infância até o momento de seu martírio e naquele instante um surto de lucidez faz com que ele entenda o motivo de todas as coisas que aconteceram na sua vida.
Estava ali pra acabar não com um inimigo mas sim com o o mal que o envolvia, estava ali para servir de exemplo, estava ali pro seu ultimo ato heroico, salvaria a mocinha e traria paz a cidade. Pena que ninguém quis ver a historia assim, todos estavam lá pelo espetáculo.
O resto da história todos sabem, João de Santo Cristo, 33 anos, homem, negro e traficante. Morto em Ceilândia em frente ao lote 14 depois de matar um outro homem que segundo a policia era seu rival, a investigação trabalha com a hipótese acerto de contas de trafico de drogas.
Comentam nas rodas de baralho que ele veio preparado para morrer,  já a burguesia respirava aliviada com  menos um bandido nas ruas. O que ninguém sabia é que a cruz que João carregava tinha sido dada  por todos aqueles que aplaudiram de pé o duelo e se divertiram com aquele espetáculo perverso, por essas mesmas pessoas que no dia seguinte leram o jornal e o jugaram, e pelos que disseram respirar aliviados por ter morrido um bandido. A cruz de João nasceu da mentalidade e da conivência, da ganância e egoísmo, da desigualdade e pobreza que pairava aquele velho mundo bem longe de qualquer lugar civilizado. Por conta desses, João carregou sua cruz até seu fim e nem mesmo conseguiu o que queria...


“...quando veio pra Brasília, com o diabo ter
ele queria era falar pro presidente
pra ajudar toda essa gente que só faz
sofrer “

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